segunda-feira, 29 de julho de 2013

A VACA SAGRADA QUE DÁ POUCO LEITE

Por Elisabeth Zorgetz, ilheense, membro do Coletivo Reúne Ilhéus e graduanda em História

Hoje se completam quatorze dias que cerca de trinta homens, mulheres, jovens e crianças estão acampados em frente à Prefeitura de Ilhéus. Há muito frio, desconforto, fome, sede, resfriados, dores, estresse emocional, preocupação, medo. E acima de tudo isso, coragem. 

Enquanto nos digladiamos por recursos da vaidade política, nuvens pesadas de uma tempestade moral se amontoam à nossa volta. Simbolismos, nacionalismos, fascismos, partidarismos, são apenas gotículas eletrizadas desse temporal. Reforma política, por exemplo, que já parece um bom termo, realizável, quase palpável, fala sobre nada e para ninguém. Existe um drama conceitual na construção da nossa história contemporânea. História essa que se apropria do passado e faz com ele o que bem quer. Não nos enganemos, historiadores: como bem sabemos, as impressões da memória não são os documentos do ofício, mas da sociedade. E não há nada mais irresponsável na escrita da história do que as propriedades da democracia. Para começar com o seu apelo milenar, num aplauso duradouro a um exemplo racista, elitista, escravista, misógino e sabe lá o que mais como o grego estóico. A proposta, em verdade, é mesmo muito razoável.  Mas não pode ser um modelo de aplicação, que caia, de improviso, no colo cansado de um povo oprimido.
A democracia pressupõe o decoro com a liberdade. Particularmente, me zango com essa palavra: decoro. Mas, aos poucos entendi que assim parece porque a usamos para os desagrados. Um procedimento decoroso com a liberdade é respeitar a si mesmo, a sociedade, as micro e macro relações, e isso tudo apenas ponderando com genuína solidariedade. É promovendo um alheamento de si mesmo e se aproximando do outro que a verdadeira unidade é arregimentada. No fim, há tanta gente compartilhando as mesmas preocupações que não sobra espaço para a vaidade.
E é por isso mesmo que todos os discursos partidários e anti-partidários são absolutamente inúteis nesse momento. Da mesma maneira que a terra velha e maltratada sofre para brotar o bom fruto, a conjuntura partidária brasileira urge por reinventar-se. Mas que seja sem obscuridades sociais! Falta ainda muito para o universo se fazer entender que não há mais espaço para discriminações raciais, de gênero, e de tantas outras existências e disposições imutáveis. E o que a Reforma Política quer dizer mesmo? Que estarão (pois não estaremos) jogando o mesmo jogo, no mesmo tabuleiro, com os mesmos peões e bispos, com os mesmos dados, e algumas regras reformadas.  A santa democracia usa o sufrágio para calar, ao invés de dar voz. São jogadas na nossa cara uma ou duas opções anuais, pautadas no desespero e no desconhecimento. Eu não aceito essa democracia. Quero outra.

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