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sábado, 22 de abril de 2017

'Dei 12 cortes no braço, não sentia dor. Só me aquietava quando via o sangue escorrer', diz jovem que saiu da Baleia Azul

Andrea Trindade
'Dei 12 cortes no braço, não sentia dor. Só me aquietava quando via o sangue escorrer', diz jovem que saiu da Baleia Azul
O jogo da Baleia Azul, que induz jovens a se automutilar e até tentar suicídio, já atraiu jovens de Feira de Santana, e nos últimos dias os casos estão sendo descobertos por professores e pais, que após os alertas da imprensa têm passado a observar mais o comportamento dos alunos e filhos.
A reportagem do Acorda Cidade esteve na casa de duas jovens de 13 e 16 anos, que residem na zona rural, e viu de perto o drama das famílias que tentam ajudá-las a voltar a ter uma vida normal após conseguir tirá-las do jogo. A de 16 anos ainda tem em seu corpo 12 marcas de cortes que fazia com uma navalha. Ela chegou até a terceira fase e pensou em parar, mas disse que ouvia vozes, e que só deixou o jogo quando conversou com a família e deixou a tia da amiga levar seu celular para tirá-la do jogo.
“Eu ouvia uma voz falando se mata, se mata, se mata. Eu ia para o curso e ficava falando com a minha colega que eu ia me jogar na frente de um caminhão. Vou me jogar. Aí ela disse para mim que se eu me jogasse ela iria também e eu disse que iria fazer sozinha. Quando eu saí na rua, eu quase ia sendo atropelada, aí eu pensei, poxa velho eu ia morrer mesmo. Aí comecei a me cortar, tudo o que acontecia comigo, raiva, o que fosse, eu saía me cortando. A lâmina estava lá para me ajudar. Eu não tinha amigo nenhum, só a lâmina iria me ajudar. Eu aconselho que quem não entrou não jogue. E mesmo que você pense que sua família não liga para você, é sua família que vai estar sempre do seu lado, mesmo você não sabendo disso”, disse a adolescente de 13 anos.
Ela afirmou que não sentia dores e que a prática é viciante. Disse que às vezes sente vontade de se cortar, mas pede forças a Deus e tenta não ficar pensando no jogo.
“Dei 12 cortes no braço esquerdo, não sentia dor. Só me aquietava quando eu via o sangue escorrer. O jogo pede para dar cortes, mas pede para você aprofundar os cortes. Tem gente que tem coragem, mas eu ficava com medo de afetar alguma veia e eu morrer antes de me despedir de todo mundo. Na mente só falava para eu ir até a última fase (suicídio), mas como Deus é tão bom para nossas vidas Ele não deixou. Se Deus não estivesse usado alguém para conversar comigo eu chegaria até a fase 50 ou antes disso me mataria”, declarou.
A adolescente destacou que só após o desabafo teve vontade de sair da Baleia Azul e permitiu se desfazer do celular para não jogar mais.
“Eu até pensava em parar. Aí a tia da minha colega veio aqui para conversar comigo e olhou meus pulsos. Quando ela olhou, viu que estava cortado e disse para eu não fazer aquilo. Aí quando minha mãe chegou eu falei que ela tinha levado meu celular e minha mãe perguntou por que e eu disse que não foi nada. Depois minha mãe perguntou se eu estava no jogo e eu disse que não. Aí ela me levou na casa da minha amiga comigo, e foi aí que desabafamos, colocamos tudo para fora, e eu disse que não jogaria mais. Estou sem celular. Às vezes vem na minha mente para eu me cortar e eu começo a pedir forças a Deus”, concluiu.
Outro caso
No mesmo distrito, a amiga da jovem que deu as declarações anteriores, também entrou no jogo, porém não conseguia fazer cortes que sangravam e passou a ter desde a última sexta-feira (21) um comportamento estranho. Ela disse que foi uma consequência por não ter se motilado de verdade. A jovem chegou a passar mal e foi levada pela tia e pela mãe para a policlínica de São José (distrito Maria Quitéria). O médico orientou a mãe a levá-la ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), para receber acompanhamento psicológico.
A adolescente disse que o jogo é viciante e que assistia vídeos que o jogo mandava. Ela disse que estava sendo ameaçada por querer sair e que via vultos pela casa. A mãe e a tia relataram ao Acorda Cidade que, mesmo após ter parado de jogar, a garota está tendo crises com mudanças repetinas de comportamento, que duram cerca de 15 minutos, no período de uma hora. Quando nossa reportagem esteve na casa dela, presenciou três destas crises e o repórter precisou ajudar a família a contê-la quando a mesma tentava morder a tia.
“(...)É muito viciante. Quando a pessoa quer parar não consegue. Parece uma coisa que está te possuindo, entendeu? Eu comecei a jogar há pouco meses. Quando eu tinha alguma decepção na escola, em casa , a primeira coisa que passava pela cabeça era me cortar. Eu estava na terceira fase. A primeira era se cortar com a navalha, desenhar F57, que eu não sei o que é porque eu não fiz. A segunda é ver e ouvir músicas psicodélicas (...) Meus colegas também faziam isso. Eu ficava muito isolada no quarto, sozinha, não comia direito, quando eu ia almoçar já eram duas horas da tarde, já não almoçava com a família. Eu sabia do risco que eu estava correndo, mas quando está nesse jogo, ninguém pensa. E eles ameaçam, disseram que se não tirar a própria vida, vai ameaçar a família ou matar a pessoa.
A adolescente disse que sente aliviada porque não está mais na Baleia Azul e que o celular dela e de outras amigas estão retidos na escola.

“Eu não tinha coragem de me cortar porque quando comecei a me cortar eu sentia dor, comecei a fazer corte pequeno sem sangrar. Estou me sentindo aliviada por ter contado para minha família e de ter livrado a mim e minhas colegas. Meu telefone está retido no colégio. Pelo amor de Deus, não entrem nesse jogo e se já estiverem tentem sair de qualquer jeito porque isso não é coisa boa. Eu sempre via umas sombras, quando eu estava no quarto trancada, eu via um vulto preto. Eu me arrepiava toda. Minha amiga se cortava e via esse vulto também. E uma outra amiga disse que um dia foi para a escola e esqueceu o celular. Quando ela estava na sala de aula, ouviu uma voz falando vem fulana, vem fulana. Aí o professor falou ninguém está te chamando não menina, aí quando chegou em casa começou a se automutilar. Ela passou a navalha e depois uma agulha por cima. Toquei fogo em tudo que fazia parte deste jogo e eu não largava o celular para nada”, relatou.
A tia desta jovem disse que ela ficava irreconhecível quando de repente passa a falar como se não fosse ela mesmo.
Braço da tia mordido (Foto: Ed Santos/Acorda Cidade)
“É um comportamento inacreditável. Ela morde a gente, agride, fica dizendo que o demônio vai levar o corpo dela. Eu respondo que o corpo dela pertence a Deus, e ela começa a ri. Depois começa me agredir, e eu e a mãe estamos preocupadas. Isso começou ontem. Ela passou mal e desmaiou e eu levei para a policlínica. Ela está se alimentando bem pouquinho. A crise volta de hora em hora, dura uns 15 minutos, ela vai e volta, fica possuída. Tomem conta de seus filhos. A família sofre demais”, declarou a tia chorando bastante.
Foto: Ed Santos/Acorda Cidade

A mãe da jovem mora em Salvador e estes dias está em Feira de Santana para ficar com a filha e também presenciou os momentos de mudança de comportamento. “Eu falo você não vai levar minha filha porque ela é de Deus e ela olha para mim sorrindo, com gesto de ironia, e falando [como se não fosse ela] que quer o corpo de minha filha. Quando a gente começa a ler a palavra de Deus, ela coloca a mão no ouvido, morde a gente, e depois ela adormece”, relatou a mãe.
Diretores de escolas em Feira de Santana estão buscando apoio dos conselhos tutelares para acompanhar casos de crianças e principalmente adolescentes que estão sendo incentivados a cumprir as 50 etapas do jogo Baleia Azul.
Um caso do jogo foi comunicado ao Conselho Tutelar II pela diretora de uma escola da rede municipal de ensino. Uma garota de 15 anos, ao cumprir uma das primeiras etapas do jogo, chegou a se cortar em um dos braços usando uma lâmina de aço.
A jovem contou para a diretora da escola que foi convidada por uma colega para entrar no jogo, através de um grupo em uma rede social, onde eram deliberadas tarefas para que ela começasse a se riscar e postar fotos. Segundo ele, uma das instruções do jogo pede que o jovem passe dias e mais dias sem se comunicar, principalmente com os familiares. (leia mais).
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade

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