Fernanda Silva de Araújo não tem conseguido dormir nos últimos dias. Mas não é o vento frio que chega por cima do muro do sobrado onde mora, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, que tira o sono da jovem de 27 anos. Sem dinheiro para concluir a obra, ela coloca os três filhos para dormir em outro quarto, mais protegido da friagem. Enquanto isso, no quarto ao lado, ela chora quase todas as noites, desde que descobriu estar grávida do quarto filho mesmo após ter se submetido a uma ligadura de trompas.
Foi no dia 6 de abril que Fernanda ficou em choque ao ver o resultado de um exame de sangue que fizera, devido à extração de um dente que precisava fazer. A incredulidade se devia ao fato de que havia menos de dois anos que ela tinha feito a laqueadura no Hospital Central da Aeronáutica (HCA), na Tijuca, Zona Norte do Rio.
— Eu pedi à atendente para ler o resultado para mim e ela disse “a senhora está grávida”. Eu falei: “não pode ser. Eu sou operada. Fiz laqueadura”. Então, eu fui a uma clínica popular, no dia seguinte, fazer a ultrassonografia, que confirmou a gravidez de 13 semanas e cinco dias.
Desempregada e recém-separada, Fernanda entrou em desespero. A mãe, a dona de casa Ilma de Araújo, de 50 anos, foi junto com a filha ao HCA para exigir explicações dos médicos.
— Falei com o capitão: “minha filha está grávida de quase cinco meses e eu não tenho de onde tirar dinheiro” — relatou Ilma.
O capitão Juliano Deckert, ginecologista e obstetra, foi quem atendeu mãe e filha quando elas foram relatar o caso e também quem assinou a solicitação e autorização para a contracepção cirúrgica, em maio de 2014. As conversas do encontro foram gravadas por Ilma. Nelas, o médico afirma que o método não é 100% seguro. “Isso não é impossível de acontecer. Isso é uma coisa que a gente não quer que aconteça, mas que está sjueita a acontecer. Mesmo a laqueadura não é 100% de garantia”, diz o capitão, na gravação.
Como se não bastasse o choque de estar grávida, Fernanda ainda foi questionada por uma assistente social do HCA, chamada Deolinda, sobre a paternidade da criança. “Depois disso aí (da separação do marido), você deu uma namorada depois?”, afirmou a funcionária.
— Eu disse que já estava grávida quando ele me deixou. Mas, mesmo que não fosse dele, isso não importaria. Eu falei para o médico que npo tenho condições psicológicas e nem financeiras para ter mais um filho — disse Fernanda.
Dependendo apenas da renda do pai — um cabo da Aeronáutica reformado —, de cerca de R$ 1.200 por mês, Fernanda, que fazia faxinas e vendia doces até descobrir a gravidez, não sabe o que fazer. A mãe, que está com zika e tem outros problemas de saúde, ajuda como pode, vendendo biquinis e bijuterias. O ex-marido, que trabalha como vigilante, paga os R$ 433 da escola dos dois filhos mais velhos: Guilherme, de 7 anos, e Luiza, de 3. A caçula, Vivian, ainda mama no peito e não frequenta creche. Foi no dia do parto dela que Fernanda decidiu ligar as trompas.
— Estou dependendo da ajuda dos meus pais para pagar luz, gás, comprar a comida... eu gasto de 20 a 25 sacos de leite por mês. A gente faz um pouco mais ralinho, para render.
Família vai procurar ajuda da Justiça
Sem recursos e também sem saber o que aconteceu, Fernanda e Ilma vão à Defensoria Pública da União (DPU), para denunciar o caso. Elas contam que em momento algum foram alertadas a respeito de qualquer possibilidade de gravidez. Além disso, Fernanda não sabe por que as folhas dos prontuários não estão assinadas pelo cirurgião que fez o procedimento, o tenente Saulo Dias, mas por duas médicas: dra. Pâmella Brasil e dra. Ana Paula Lacerda, ambas tenentes.
— Com certeza, ninguém disse isso (que a filha poderia engravidar). Sempre foi dito que não tinha mais volta depois de ligar, tanto que passou por psicóloga antes (da cirurgia) — disse Ilma.
— Minha mãe fez, minhas tias fizeram... e nunca engravidaram.
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